Vou contar uma história que aconteceu na temporada de 1979/80. Quando o Real Madrid B, popularmente conhecido como Castilla, conseguiu o feito de enfrentar na final da Copa do Rey, daquele ano, o time principal do Real Madrid. Vou contar como a campanha dos juvenis mudou a forma como a equipe merengue passou a ver sua base, e contribuiu assim para os grandes investimentos que vemos hoje em dia por parte do clube.
Antes de 1991, as equipes conhecidas como juvenis ou B dos clubes principais eram tidas como entidades separadas na Espanha. A única restrição imposta era que ambos os times nunca poderiam competir na mesma divisão. Isso dava livre passagem para que o Castilla participasse da Copa do Rey. O que acontecia no geral era que equipes mais novas dificilmente tinham boas atuações na competição, ficando na maioria das vezes na primeira rodada.
Naquela edição as equipes secundarias foram proibidas de jogar contra seu time “sênior” até as semifinais. Deixando assim aberto para que eles se enfrentassem em uma possível final. Algo que nunca aconteceria … certo? Errado.
Dezoito equipes juvenis entraram na Copa del Rey daquela temporada, com o Castilla indo até o fim. A média de idade da equipe era de apenas 20 anos, com nenhum jogador com mais de 23 anos na lista.
Na trajetória até lá o time eliminou primeiramente, nos playoffs, a equipe do Hércules. Apesar de ter perdido na ida por 4 a 1, conseguiu se recuperar na volta aplicando um 3 a 0, forçando assim a prorrogação. Nos minutos extras, Valentin Cidón garantiu a vitória.
Na sequência, uma goleada para cima do Extremadura por 10 a 2, e Alcorcón por 5 a 1. Fechando a classificação do mata-mata com a vitória por 3 a 1, contra o Racing Santander. Nas oitavas, o adversário foi o Athletic Club, onde na primeira partida foi registrado um empate de 0 a 0 em Madri. Já na segunda, a equipe blanca venceria por 2 a 1 no Estádio San Mamés, em Bilbao.
Nas quartas de final, o adversário da vez, foi a equipe da Real Sociedad, líder da La Liga naquele momento. Na ida, a equipe basca venceu por 2 a 1. Na volta, Paco e Sánchez Lorenzo marcaram os dois gols que garantiram a classificação à próxima fase. Contudo, um detalhe fez essa vitória ainda mais especial. Jornais na manhã seguinte relatavam que mais de 100 mil torcedores merengues haviam apoiado a equipe no Santiago Bernabéu.
O jogador principal do Castilla, Ricardo Gallego, descreveu a equipe da seguinte forma: “Nós éramos um time com jovens que saiam para jogar futebol e isso surpreendeu. Quando um time passa a bola com fluência, corre como nós e tem juventude, qualquer oponente que não estivesse preparado seria deixado para trás”.
Chegamos então a semifinal da competição, o adversário pela frente era o Sporting de Gijón. No primeiro jogo o rival garantiu um 2 a 0. Entretanto, na volta o Castilla surpreenderia com uma expressiva goleada por 4 a 1. No final, um 4 a 3 e a passagem para a final da competição. Naquele momento, o Castilla se tornava o terceiro time da segunda divisão a chegar em uma final de Copa do Rey. O Real Madrid garantiria sua vaga depois de superar o rival Atlético de Madrid nas penalidades.
No dia 4 de junho, o Estádio Santiago Bernabéu recebeu a grande final doméstica entre os times “A “e “B” do Real Madrid. A partida trouxe sensações familiares, e independente do resultado o título já era merengue. Nas arquibancadas mais de 65 mil torcedores.
Quando a bola rolou, o resultado foi maior do que o esperado. O Castilla até tentou mais não conseguiu superar o elenco principal. A equipe foi para o intervalo perdendo por 2 a 0, gols de Juanito e Santillana. No segundo tempo uma goleada. Desta vez, o zagueiro Andrés Sabido e o futuro técnico da Espanha, Vicente del Bosque, acrescentaram um terceiro e um quarto.
E não acabou por aí. Ricardo Álvarez marcaria o gol de honra do time B, mas veria o placar se encerrar com um expressivo 6 a 1, após os gols finais de García Hernández e Juanito.
Contudo, o legado deixado por aquela equipe entraria para a história do clube merengue, uma vez que abriu portas para futuras gerações dentro da equipe como, por exemplo, a Quinta del Butre que se tornou lenda dentro do clube.
Algo que seria muito mais difícil de acontecer se caso o Real Madrid não tivesse mudado sua maneira de enxergar seus jovens jogadores. Aquela final moldou os anos seguintes do clube, contribuindo para que — até a era galáctica — fosse um dos grandes promotores de jovens jogadores.
Outro motivo, para a falta de lágrimas dos jogadores após perde o título, foi que ao chegar à final o Castilla conseguiu uma vaga para Copa dos Campeões da Europa, disputando assim uma competição europeia. Mas essa, é uma história que eu conto outra hora.