Raphael Varane, 25 anos, já viveu tudo no mundo futebol. Desde uma temporada ganhando Champions League e Copa do Mundo a uma temporada muito difícil no Real Madrid conquistando apenas um Mundial de Clubes. Acerca disso, Varane refletiu muito e deixou seu futuro aberto na equipe merengue, porém viu que não era o momento adequado de deixar Zidane e ao clube que lhe deu tudo. O zagueiro francês se confessou em entrevista exclusiva ao MARCA, repassou a difícil temporada do Real Madrid, os próximos passos da equipe e confirmou que fica no Bernabéu.
Pode tirar algo positivo da temporada?
“Foi uma temporada muito difícil principalmente a nível mental, mas sempre há algo positivo. Em momentos assim se vê o caráter e os homens de verdade porque ninguém pode se esconder, nos conhecemos melhor com estas coisas. O vestiário não explodiu e poderia ter explodido e isso é positivo, como a volta de Zidane. Até em uma temporada assim, há sempre algo positivo.”
A equipe relaxou?
“Não creio que seja isto, há muitas razões, mas não esta. Não podemos estar sempre no topo do mundo, é impossível ganhar dez Champions. São ciclos. Todo mundo pensava que três era impossível e fizemos. Mas ganhar sempre é impossível porque há momentos mais complicados. Também são muitos anos jogando mais partidas que os demais, todos querem ganhar do Madrid porque é o rival a bater, todos nos esperam e isso é uma fratura mental e física também. Mas de verdade nunca enfrentamos esta temporada de sobras, como dizendo: ”nós somos os melhores.”. Os esforços para ganhar passam por fratura e sempre fomos humildes e lutamos. Acredito que tinha que acontecer, aconteceu, podia ser no ano passado, não sabemos, mas com tantos esforços chega o momento em que não tem essa faísca que te ajuda nos momentos complicados. É humano, não podemos estar bem sempre.”
Acredita de verdade que havia equipe para ganhar sem Cristiano?
“Sim, claro, começamos muito bem a temporada. Inclusive jogando melhor as vezes que o ano passado, mas os resultados não acompanharam. A vida é um equilíbrio e as vezes as coisas vão contra. O negativo gera mais negativo e foi assim toda a temporada.”
Quais lembranças tem de Solari e Lopetegui?
“Tenho boas lembranças dos dois a nível humano. Solari chegou em um momento complicado e Lopetegui não teve sorte com os resultados, mas trabalhamos muito bem com ele. Aprendi dos dois, acredito que não sabíamos quando, mas todos sabíamos que não íamos estar na frente sempre. Ademais, nas temporadas mais difíceis tem que lutar mais e ainda assim as coisas saíram más. Acredito que não podemos reprovar ninguém a nível de luta. A semana chave, contra Barcelona na Copa e Ajax, demos tudo. Acho que todos podemos nos olhar na cara. Quando saúdo a torcida ou saudamos, não nos sentimos envergonhados porque damos tudo de si. A forma não foi ideal, mas pelo menos nós lutamos.”
Como se viu em nível individual?
“Custou para mim iniciar, até minha lesão contra o Barça na primeira volta não era eu, não tinha boas sensações. Não tive tempo nem para descansar, nem para preparar a temporada. Os jogadores que ganharam a Copa de 98 nos avisaram, que sempre custa muito. Zizou disse que no meu caso não demorei tanto para voltar ao meu nível, mas depois do arranque acredito que voltei a ser eu mesmo, mas quando a equipe sofre também na defesa, sofremos muito. Em uma campanha assim, é complicado a jogar a nível individual. Quando a equipe não está bem, não há muitas opções para escolher e acaba escolhendo a menos má. Eu assumo, sei que não fiz minha melhor temporada.”
Objetivos com o Real Madrid depois de ganhar tudo e com essa idade?
“Sim, claro, sou muito jovem ainda. Acredito que chego a uma idade de travessia entre juventude e experiência e espero que a temporada que vem se veja o melhor Varane de minha carreira e com a camisa do Madrid. Vou ter um descanso que faz muito que não tenho e vou fazer uma pré-temporada completa. Acredito que Zizou é um treinador que me pode fazer melhor ainda e espero que se veja muito rápido o melhor Varane.”
Na França diziam que estava refletindo, pensando em buscar outra aventura fora do Real Madrid… É certo?
“Estamos sempre refletindo, pensando, é a parte da vida de um jogador de elite, temos sempre que pensar para render melhor, para melhorar, para sentir feliz. É parte da vida, nunca relaxo e sempre penso que posso fazer melhor, que motivação extra posso ter no campo. Todo mundo deve fazer, depois falaram muito de mim, mas refletir, porque não.”
Então refletiu e seu lugar está no Madrid…
“Eu quero continuar no Madrid no ano que vem, tenho certeza que vamos viver outra vez emoções fortes e tenho certeza que a temporada vai ser muito boa.”
Sair assim depois de um ano decepcionante, seria um pouco feio, não acredita?
“Triste. Tudo tem que acabar um dia, mas depois de uma temporada assim não era meu desejo. Pelo menos no meu caso, com a história que tenho com este clube, com a torcida, com todos. Seria muito feio, não será assim.”
Continua sentindo o respeito da torcida?
“Acredito que sim. Espero a imagem que tenho aqui seja essa, sempre trato de fazer bem as coisas e que meus companheiros possam contar comigo porque sempre soou esta camisa. Sabem que comigo pode ganhar uma Champions ou um Mundial e que em temporadas como esta não vou me esconder e esse respeito e essa força da torcida eu sinto.”
Onde ou quando acabou a confiança de esta equipe? Talvez após perder para o Barcelona com tanto esforço…
“Não acredito que seja a confiança, mas é verdade que este ano chegou um momento que fazíamos mais esforço do que o normal, mais esforço inclusive quando ganhamos a Champions, tremendo, e não saiu nada. Foi um golpe muito duro porque foi um desgaste mental e físico impressionante. Falamos no vestiário, que foi a semana mais difícil de nossa carreira. Para todos.”
Faltou sorte ou pegada?
“A vida ou o futebol as vezes tem a sorte que te faz chegar até onde fizemos e esta temporada não. Há partida desta temporada que revê e diz: é incrível que perdemos, mas há que aguentar.”
Zidane saiu por surpresa e voltou assim também. O que acha?
“Quando há um ciclo tão bom custa para todos arrancar e é o que nos aconteceu. Nos surpreendeu quando se foi e entendíamos as razões, mas creio que sua volta foi a melhor opção para o clube. E também diz muito do caráter do mister, de seus desejos de objetivos. Quando ganha três Champions e volta e põe tudo esse jogo entre aspas… Porque não pode melhorar o que fez e isso diz muito sobre a personalidade e do desejo que voltou.”
Vai mudar muito o Madrid de Zidane?
“Claro, todos precisamos reconstruir, e ele voltou para fazer isso. Confiamos em seu projeto, tem suas ideias muito claras e voltou com muita determinação. Desde dentro é o que sinto, temos que evoluir, como sempre, e para iniciar um novo ciclo tem que mudar coisas, isto é claro.”
Acredita que faltou respeito a este time?
“Bom, é que isto é o Madrid. Eu digo aos jovens que chegam: prepara porque um dia vai ser muito bom e no outro o pior do mundo. Escutamos coisas tão desconectadas que até rir. Que uma equipe que ganhou três Champions é malíssima… Não faz caso. Nós fazemos autocrítica individual e coletiva, mas em uma temporada em que toca o chão há que dar o salto. A força mental para jogar no Madrid se vê nestas temporadas também e a experiência em uma temporada assim é importante. Quando perde, para que o barco não afunde, precisa de experiência. Sabemos agora os erros que não podemos cometer. Isto acredito que nos fez mais fortes e espero que todos aprendemos de uma temporada assim.”
Seu papel no Real Madrid vai mudar também?
“Já tenho responsabilidade neste clube, sou o quarto capitão, oito anos aqui, é o passo natural, não tenho que mudar minha maneira de ser e dou conselhos aos jovens e não me assusta tomar a responsabilidade e assumir o papel que me dá o treinador ou o clube, de ser importante em uma entidade tão grande. Sempre dei um passo á frente e vou continuar fazendo.”
Conhece bem Pogba, lhe vê no Madrid?
“O que falo com ele não posso dizer, mas qualquer grande jogador tem um lugar no Madrid e é o que é. No Madrid há muita concorrência, é uma possibilidade, há muito ruído ao redor e veremos em agosto onde está.”
E Hazard?
“Conheço desde que comecei no Lens. É um jogador top, e como disse antes para explicar o caso de Pogba pode jogar também no Madrid. Está no melhor momento de sua carreira por idade e qualidade que tem. Quando nos enfrentamos nas semifinais da Copa do Mundo, sabíamos que havia que ter um plano especial para pará-lo.”
Karim Benzema deu um passo a frente também. Lhe surpreendeu?
“Para jogar no Madrid dez anos e além disso sendo o nove há que ser muito bom e ter uma força mental enorme. Tem muito talento e chegou a um momento de plenitude. Se conhece muito bem, sabe o que tem que fazer para estar em seu melhor nível e fez uma temporada muito boa. Pode ser a melhor de sua carreira, e é verdade que lhe vi muito a gosto com seu papel do ataque. Fico muito feliz por ele.”
E Griezmann, sua decisão de sair. Entende?
“É muito respeitável, todos refletimos. Tomou uma decisão, não falei com ele para dizer o que vai fazer, mas posso entender que precissa de outras coisas para sua experiência, objetivos. Depois, não sou ninguém para decidir se é melhor ou não.”
Para você, a Liga será também o primeiro objetivo?
“Pelo que disse Zidane, necessitamos mais regularidade. A Champions são mais picos de esforço e emoção, porém a Liga é mais constante, mais regularidade, e queremos pôr mais o foco na Liga. A Champions é o que mais entusiasma ao clube e torcida, mas é verdade que temos que focar mais na Liga. Nunca a deixamos de lado, porém agora tem que ser uma prioridade cada semana para ganhá-la.”
Não entrou no pódio final da Bola de Ouro, isso lhe decepcionou?
“Eu não tinha expectativas, na verdade, mas para mim a recompensa foram as declarações de pessoas que sabem muito sobre futebol. Para mim isso vale quase mais do que ganhar para ser criticado mais tarde (risos). Estou muito feliz por Luka, que merece isso. Muitas pessoas me disseram: você tinha que ter saído mais na mídia, você tinha que ter vendido mais na imprensa … Eu não sou assim, não vou mudar para ganhar esse prêmio. Se as pessoas pensam que eu mereço e venço, seria uma alegria, mas não vou me esforçar para ganhar. Isso para mim não tem valor. Com o 2018 que eu fiz … Eu ganhei tudo e ninguém vai tirar isso de mim. Com a França o nosso triunfo foi coletivo e talvez para a Bola de Ouro também dividiu os votos. A força da França é o grupo e é bom dizer isso no futebol, eu vi poucas equipes como a nossa na Copa do Mundo.”
Talvez você tenha que adicionar um pouco desse espírito coletivo no próximo Madrid…
“Eu não tenho nenhuma reprovação para ninguém no Madrid, fizemos os esforços, mas acho que este ano não encontramos o tempo para fazer os esforços juntos, a pressão em conjunto. Eu quero dizer que nós fizemos isso, mas não todos ao mesmo tempo, na mesma direção, e que fizemos com a França, ou quando vencemos as quatro Champions. E é isso que temos que encontrar novamente no ano que vem. Todos na mesma direção. Não quero dizer com isso que cada um deles tinha o seu próprio caminho, porque o grupo teria explodido com a pressão que havia. É por isso que eu não queria falar sobre esta temporada até agora, porque não havia nada a dizer. Sofremos, nos concentramos no trabalho, mas não era hora de dizer se nos falta isso ou aquilo.”
Nem o final da temporada foi fácil, poderia ter sido melhor?
“No nível de ânimo, nesta temporada, atingimos o fundo e é difícil tirar conclusões. Não tem o mesmo valor de quando jogamos tudo. É muito difícil. Queremos virar a página e voltar fortemente e iniciar algo novo.”